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Tecnologia ajuda, mas também confunde e afasta

A modernidade é um espetáculo para crianças e jovens, às vezes, um martírio para os cinquentões

Fonte: Jornal do Comércio

O mundo mudou. Com ele, nós mudamos. O que era certo há décadas hoje é crime. O que era crime nos anos de 1950 hoje é permitido. Certo ou errado? Apenas mudanças. A sensação clara é que estamos em uma transição, uma passagem do mundo antigo para o tecnológico e sem volta. O obsoletismo toma conta de equipamentos, modelos e, às vezes, das nossas emoções. E aí mora o perigo. Mandar um correio eletrônico é o mesmo que conversar? Olhar nos olhos? Mas ocorreu o mesmo com o telefone e as emoções não morreram, não? Claro, mas, convenhamos, conversar ainda é melhor do que cifrar mensagens em até 140 caracteres com quase nada a dizer. O paradigma moderno, progressista, a grande ideia de que vamos dominar a natureza, como propôs Descartes marcou o mundo ocidental. O mito do progresso está acabando e não é de hoje. Somos mais felizes do que julgamos e esse seria o nosso juízo se refletíssemos na soma de bens de que gozamos e na dos males de que não sofremos. Apesar dos avanços, milhões morrem todos os anos por catástrofes naturais, viroses e acidentes de trânsito.

Sumiu o amarrotado caderno do armazém em que um simpático senhor tomava nota do que gastávamos e, no final do mês, a dívida era paga. Telefones em bares e armazéns cobrando por ligação dos “fregueses”. E os “carros de praça”, os táxis até os anos de 1960. O preço da “corrida” era acertado quando se entrava no veículo. Mas tudo mudou. Para melhor, muito melhor, mas rápido demais. É um mundo novo que se renova a cada mês. Vamos a uma loja comprar algo para o filho ou o neto e as perguntas nos confundem: “O senhor tem pendrive no computador? Ele serve para gravar tudo o que o senhor tem no computador. E o disquete? No pendrive se salvam textos, imagens e filmes. No disquete, que, aliás, nem existe mais, apenas texto. É isso, vou levar. Mas de quantos gigas? Que giga? É a capacidade do pendrive. Um bem pequeno. Mas, meu senhor, todos os pendrives são pequenos. Quero saber a capacidade de armazenamento dele que o senhor quer. A sua entrada de computador é USB? O que é isso? Serve para acoplar o pen no computador, tem que ser compatível. O meu computador é velho, tem uns quatro anos, usava disquete. Esqueça, os de hoje nem têm mais entrada para disquete. Ou é CD ou pendrive... O meu celular é novo, mas tem tantas opções... O meu neto disse que ele tem smartphone, bluetooth, woofle, brufle, trifle e banda larga, teclado touchpad, câmera fotográfica, flash, filmadora, radio AM/FM, tevê digital e até posso mandar e receber e-mail, torpedo direcional, micro-ondas e conexão wireless... Legal, não?”

E ainda temos o chip que facilita a portabilidade. Claro, a modernidade é um espetáculo para crianças e jovens, às vezes, um martírio. Alguns cinquentões suspiram e lembram como era boa a vida quando telefone era telefone, gravador era gravador, toca-discos tocava discos e a gente só tinha que apertar um botão para as coisas funcionarem... Apesar de tudo, a tecnologia está democratizada, todos os brasileiros têm um celular e a vida é melhor. Mas como é que gravo mesmo esse texto no computador e envio pelo webmail? E, em casa, tem que trocar a tevê a cada ano. Afinal, as atuais não têm HD, tecla SAP, slowmotion e reset...