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No Venture Capital, existe sempre a "bola da vez"
Por que, então, a IA está indo na contramão do mercado, sem sentir o impacto que os demais mercados sentem para a atração do capital?
Um levantamento do PitchBook para a Bloomberg sobre os investimentos de Venture Capital realizados no terceiro trimestre de 2023 mostra que os aportes em startups de IA cresceram 27% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Enquanto isso, o mercado de Venture Capital transacionou 31% menos no mesmo recorte de tempo.
Por que, então, a IA está indo na contramão do mercado, sem sentir o impacto que os demais mercados sentem para a atração do capital?
Eu poderia analisar o potencial de transformação da IA em si, mas a bem verdade é que, assim como a IA, outras teses altamente disruptivas já concentraram o interesse dos investidores de risco - em 2021 eram o metaverso e a crypto.
Analisemos portanto o comportamento dos investidores: ciclicamente são selecionados alguns mercados que atraem grande parte do capital. O que chamamos de hype ou efeito manada - a tendência do mercado de olhar para os temas mais quentes do momento - foi motivo de um estudo de dois jovens economistas em 1990, David Scharfstein e Jeremy Stein, que publicaram um artigo sobre “Herd Behavior and Investment”.
Por meio de modelos matemáticos, o modelo Scharfstein-Stein comprovou que para os gestores de investimentos é uma estratégia melhor imitar ações de outros do que confiar em seus próprios julgamentos. A ideia é simples: se você faz algo de errado, mas outros estão cometendo o mesmo erro, você não será considerado estúpido, e isso não machucará sua reputação.
'A sabedoria mundana ensina que é melhor para a reputação fracassar convencionalmente do que ter sucesso não convencional', John Maynard Keynes
Voltemos ao mercado de Venture Capital: geralmente a maior parte do capital dos fundos é externo, alocado pelos Limited Partners (os LPs) que “compram o serviço dos VCs” em troca de um objetivo de retorno. Após captar o investimento com os LPs, os fundos têm um ciclo de 5-10 anos para selecionar os negócios, alocar o capital, e dar o retorno esperado para os investidores. Nesse sentido, os Venture Capitalists precisam estar bem alinhados com os seus LPs - que precisam estar satisfeitos com os resultados para seguirem investindo em novos fundos.
Durante o ciclo dos fundos, os VCs reportam os resultados do portfólio - digamos que a cada trimestre. É natural que a maioria das empresas esteja crescendo de lado ou até fechando as portas. Mas se o negócio que der errado, parecer uma imbecilidade, será muito mais difícil para o VC se explicar. O DC Palter, do EntrepreneursHandbook, desenvolveu uma cena perfeitamente crível para o contexto, que reproduzo abaixo:
“Digamos que o fundo investiu em uma fintech que falhou. O mercado estava super em alta, o negócio era promissor - o VC pode justificar desafios regulatórios ou de mercado que comprometeram o sucesso - e os LPs vão entender, afinal essa é a dinâmica do mercado.
Agora imagine se, em vez disso, a startup falida tivesse desenvolvido algo mais radical, digamos... teletransporte. Se tivesse sucesso, teria mudado o mundo. Os fundadores seriam considerados físicos brilhantes. O fundo contratou cientistas respeitados para verificar a teoria. Claro, era um tiro no escuro, mas se funcionasse... teria sido o maior investimento de todos os tempos, facilmente valendo trilhões.
Mas não funcionou. E agora o fundo precisa informar aos seus LPs que a startup de teletransporte de seu portfólio falhou.
Se eles forem como eu, a reação deles será “Teletransporte??? Em que diabos vocês idiotas estavam investindo meu dinheiro? De jeito nenhum eu vou te dar outro centavo”.
E isso seria o fim de levantar outro fundo”.
No final das contas esse não é um problema de pessoas ou coragem, é apenas a dinâmica de funcionamento dos fundos que alocam capital de terceiros. Para empreendedores com teses não convencionais, o capital estará mais disponível com fundos focados em nichos, plataformas de investimento (lembro que no Kria investimos em Open Banking em 2015, antes de sair do papel) e com os Operator Angels - indivíduos investidores com grande track record e capital disponível.
Aqui no Kria, a nossa estrutura de plataforma é uma vantagem - sem terceiros a quem devemos prestação de contas, e sem cobrarmos taxa de administração, não temos amarras a investir apenas em teses “do momento”. Os investidores de nossa plataforma têm autonomia para investir diretamente nos negócios que mais o atraem, e com isso conseguimos selecionar negócios promissores e empreendedores visionários. Para além do hype - é onde a inovação realmente está.
*Camila Nasser é cofundadora e CEO do Kria, que é uma plataforma de investimentos em startups. A executiva iniciou sua carreira profissional no universo financeiro no Kria, como estagiária, ainda na época de faculdade. Ao longo dos anos, assumiu importantes cargos de liderança, como Head de Marketing e Chefe de Operações. No final de 2020, foi convidada para se tornar CEO da fintech. Camila é graduada em comunicação pela ESPM - Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo.