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Redução do IPI: incentivo ou marketing?
Há uma prática que se tem banalizado no Brasil: beneficiar determinados setores com desoneração de tributos quando há queda nas vendas.
Há uma prática que se tem banalizado no Brasil: beneficiar determinados setores com desoneração de tributos quando há queda nas vendas. O efeito seria imediato: com produtos mais baratos, as pessoas voltariam a comprá-los, recuperando-se o volume de atividades e mantendo-se o emprego. A política de desoneração é utilizada em diferentes circunstâncias e, diante da crise internacional, tantas vezes negada ou minimizada, como medida anticíclica de caráter fiscal, provoca perdas de recursos para o Estado, estimula o consumo e sustenta a produção.
Muitos autores preferem uma via mais direta e explícita, mediante transferências via orçamentária que, por certo, controlam melhor as doses e o período da medicação.
Há dois ingredientes poderosos na concessão desses incentivos, decretados com base em estimativas precárias das perdas de arrecadação e de forma praticamente incondicional, tendendo à renovação e, às vezes, à perpetuação: tornam-se beneficiários os mais poderosos, que adotam, por via de regra, um comportamento chantagista, com ameaças — veladas ou ostensivas — de paralisação ou redução de atividades, ou dispensa em massa, dando à questão dimensão marcada e pretensamente social e política.
A experiência tem demonstrado que o efeito inevitável é uma recomposição das margens de lucro: o benefício não se transfere integralmente aos consumidores via preços, nem aos empregados via salários.
Tampouco é fácil acompanhar a aplicação dessas medidas. Antes da enxurrada de favores concedidos a determinados segmentos empresariais, alguém, por acaso, tinha uma tabela pormenorizada de preços de cada produto, com as suas respectivas especificações (modelos, cores, multiplicidade de acessórios etc.)? A partir da concessão, alguém se deteve, caso a caso, nas alterações das tabelas e dos preços efetivamente praticados? O aumento nas vendas, que, é verdade, ocorreu, não se deve, em boa parte, ao restabelecimento das condições de crédito e ampliação de prazos dos financiamentos (associados, inclusive, ao aumento na inadimplência que se vem registrando nas últimas semanas e meses).
O assunto certamente requereria maior seriedade. Quando alguém paga menos imposto, os demais tendem a pagar mais (ou mais do que precisariam estar pagando); ou, então, alguns dispêndios deixam de ser efetuados, que, se fossem desnecessários, já deveriam ter sido cancelados ou postergados há mais tempo.
Logo, a pergunta que cabe é: vale a pena o conjunto da sociedade arcar com o ônus que privilegia apenas um grupo de empresas e de pessoas (válido para empresários e empregados do setor em questão)? O benefício social se justifica, ou melhor, é favorável a relação benefício/custo, ou, em outros termos, o custo de oportunidade (dada a possibilidade do uso alternativo desses recursos) justifica o sacrifício do conjunto dos contribuintes?
Reflita-se sobre o fato de que há sete meses a arrecadação vem caindo, na comparação com os meses correspondentes do ano anterior. Essas renúncias fiscais têm agravado os efeitos da queda do nível de atividade em um momento em que os gastos governamentais têm especial relevância como fator de sustentação da renda. No caso mais notório, talvez se devesse indagar se, em vez de estimular o transporte individual — que vem tornando nossas cidades cada vez mais caóticas, com seus custos ambientais e propriamente econômicos crescentes —, não deveríamos redirecionar o modelo de produção e o estilo de vida para o transporte coletivo urbano e outras modalidades de locomoção e deslocamento de pessoas e de cargas, mais eficientes, racionais e solidários.
As renúncias fiscais no atual governo, segundo palavras do próprio presidente, já alcançaram R$ 100 bilhões, o que parece flagrantemente subestimado, e não computa os benefícios concedidos pelos demais entes, nem as benesses creditícias e de outras ordens.
Além disso, o sistema tributário brasileiro é uma colcha de retalhos cada vez mais multifacetada. Chamá-lo de sistema é um eufemismo. Chegou a tal ponto, em matéria de distorções e injustiças, com seus tratamentos diferenciados e privilegiados, que a exceção se tornou a regra. Sua administração vai-se tornando inviável. A própria perspectiva de uma reforma esbarra na dificuldade de se implementar algo novo com tantas situações paralelas que provavelmente teriam de subsistir e se superpor à nova ordem. Se a opção tivesse sido por uma desoneração generalizada, indiscriminada, aliviando as pessoas físicas, os indivíduos em geral, o mecanismo teria sido muito mais simples, mais controlável e mais justo.
O marketing foi tão eficaz que as pessoas acabaram antecipando suas compras e até comprando o que não haviam programado, pois se, afinal, o produto está mais barato — e não se sabe por quanto tempo —, por que não comprá-lo antes que acabe a redução do IPI?
Como disse o presidente, seria melhor que esses recursos que não vêm sendo arrecadados fossem distribuídos para os pobres. Mais gente — e com muito mais necessidades — se teria beneficiado. É pena que muitos de nossos dirigentes esquecem e pedem para esquecer tudo o que escreveram e disseram no dia anterior.