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Grupo de sociedades e a extensão da falência
A jurisprudência, hoje pacífica, desvirtua a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica
A terceira e a quarta turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsáveis pelo julgamento final das questões relacionadas ao direito empresarial, têm decidido, reiteradamente, que deve ser "estendida a falência" ou "os efeitos jurídicos da falência" "de uma sociedade grupada falida às sociedades do mesmo grupo econômico" com fundamento na teoria da desconsideração se restar provado desvio da personalidade jurídica da sociedade falida em fraude à lei ou violação de norma contratual com prejuízo dos direitos e interesses dos seus credores.
A jurisprudência, hoje pacífica, desvirtua a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica, pois é inaceitável aplicá-la para estender a falência ou estender os efeitos jurídicos da falência (1) da sociedade controladora para suas controladas e coligadas; (2) de sociedade controlada para outras controladas ou coligadas; (3) de coligada para suas controladoras e demais sociedades do mesmo grupo econômico e, inclusive, (4) de sociedade controlada para sua controladora.
O remédio aplicado pelo STJ não salva nem protege os credores da falida e acaba por matar as sociedades grupadas, pois, na prática, estender os efeitos da falência de uma sociedade a outra, ou a outras, significa produzir idênticas consequências jurídicas, econômicas, administrativas e políticas para sociedades que não estão falidas, eis que as sociedades, para as quais foram estendidos os efeitos, têm seus estabelecimentos lacrados, suas atividades paralisadas e seus bens e direitos arrecadados, custodiados, avaliados e vendidos em público leilão.
Ademais, a extensão da falência de empresas grupadas atenta contra o princípio cardeal do direito dos grupos de sociedades, por todos os estudiosos reconhecido e proclamado, aqui e alhures, ontem como hoje e, por certo, no futuro, segundo o qual as sociedades grupadas mantêm sua autonomia jurídica, embora percam sua independência econômica, ou, dito de outra forma, na lição do saudoso professor Fran Martins: "o grupo de sociedades constitui um conjunto de sociedades juridicamente independentes mas economicamente unidas". Ou, consoante o professor José Engrácia Antunes, doutor em direito pelo Instituto Universitário Europeu, com sede em Florença: "O que caracteriza o grupo de sociedades é a independência jurídica e a unidade de direção econômica das sociedades grupadas".
Por isso, como elucida o professor Fabio Konder Comparato, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica não leva à liquidação ou à despersonalização da pessoa jurídica, mas exclusivamente à "extensão dos efeitos aos bens particulares do sócio". Não leva à liquidação, nem à despersonalização, nem, acrescento, à falência ou à extensão dos efeitos jurídicos da falência porque não é esse o escopo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, eis que o Código Civil, em seu artigo 50, ao admitir "descortinar-se o véu", busca alcançar e tornar o sócio ou acionista controlador da sociedade falida solidária e ilimitadamente responsável pelo ressarcimento dos prejuízos causados aos credores, coibindo a fraude, em qualquer de suas nefastas formas, e punindo o sócio ou acionista que praticou ato ilícito ou abusou da personalidade da sociedade, mas jamais quebrar uma sociedade empresária em dia com suas obrigações e dívidas.
É o que ensina a doutrina estrangeira, ao tratar, à exaustão, (1) da responsabilidade do grupo de sociedades; (2) da inopobilidade e da desconsideração da personalidade jurídica grupal e (3) da extensão da quebra, acentuando, sempre, que os limites dessas áreas são tenues, se confundem e, por vezes, se superpõem, verificando-se, em certas circunstâncias, idênticos pressupostos fáticos. Em verdade, a questão da quebra de uma sociedade grupada e a sua extensão às demais empresas do mesmo grupo econômico é matéria de política legislativa e não um princípio inflexível e dogmático.
Por fim, anote-se que a oposição à extensão da falência às sociedades grupadas enfrenta enormes resistências na doutrina estrangeira por força de diversos fundamentos, entre os quais se destacam (1) o princípio da conservação da empresa, como mola propulsora do progresso econômico e social; (2) os problemas praticamente insolúveis de bancarrotas de grupos multinacionais; (3) a impossibilidade jurídica de se imputar responsabilidade a quem não a tem por atos antijurídicos danosos ao patrimônio de terceiros; (4) o fato incontroverso de que a extensão da quebra acarreta a liquidação do patrimônio de empresas que não estão insolventes, o que é um contra senso e uma heresia jurídica; (5) a falência de empresas líquidas e prósperas determina a perda de mais valia do "going concern" de empresas em pleno funcionamento etc.
Destarte, não se pode, por absoluta falta de amparo legal, estender a falência ou estender os efeitos jurídicos da falência de uma sociedade controlada à sociedade controladora e não se deve, sob pena de desvirtuá-la e ferir o artigo 50 do Código Civil, fundar na teoria da desconsideração da personalidade jurídica a extensão dos efeitos jurídicos da falência de controlada à controladora. Pode-se e deve-se, entretanto, com fundamento no artigo 117 da Lei das S.A., no artigo 50 do Código Civil e no artigo 82 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, buscar a reparação integral dos danos causados por sociedade controladora à sociedade controlada falida, aos acionistas minoritários e preferencialistas da controladora e da controlada falida e aos credores da falida, e, com fundamento no parágrafo 2º do artigo 82 da mesma legislação, para impedir a dilapidação dos bens sociais e garantir o cabal ressarcimento dos prejuízos, requerer, desde logo, na petição inicial da ação ordinária de perdas e danos, a indisponibilidade dos bens particulares dos réus, mais corretamente, da sociedade controladora, observados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.